PRINCIPAIS
CONCEITOS DA FENOMENOLOGIA
Ainda que encontremos referências ao
termo fenomenologia em pensadores do século XVIII - como Lambert (1728-1777),
Kant (1724-1804) e Fichte(1762-1814) - ou mesmo na famosa obra de Hegel “Fenomenologia
do Espírito”, no início do século XIX a fenomenologia, tal como hoje a
entendemos, foi proposta inicialmente por Edmund Husserl (1859-1938) no fim
daquele século como um novo método de fazer filosofia, uma tentativa de trazer
a filosofia das especulações metafísicas abstratas para o contatocom os
problemas reais, com a experiência vivida e concreta. Inspirada na Psicologia
Descritiva de Franz Brentano (1838-1917), que foi professor de Husserl, a fenomenologia
foi desenvolvida por sucessores deste, tornando-se uma das grandes correntes
filosóficas do século XX.
A fenomenologia (do grego phainesthai, aquilo que se apresenta ou
que se mostra, e logos, explicação,
estudo) afirma a importância dos fenômenos da consciência. Mais que um método,
ela deve ser considerada um movimento de pensadores extraordinários, alguns
deles assistentes pessoais de Husserl, como Edith Stein, Martin Heidegger,
EugeneFink e outros como Max Scheler e Karl Jaspers, que desenvolveram outras
ideias em fenomenologia, em contato direto ou em paralelo ao pensamento de
Husserl na Alemanha. Levada para a França por Emmanuel Lévinas, com a tradução
para o francês de Meditações Cartesianas (1931), a fenomenologia teve aí um
desenvolvimento próprio através do pensamento de Maurice Merleau-Ponty, Jean
Paul Sartre, Simone de Bauvoir, PaulRicoeur e Michel Henry, entre outros.
Podemos dizer que todos estes
pensadores foram de alguma forma, críticos “internos” da proposta husserliana,
ou seja, de uma maneira ou de outra partem dela. Todos eles se tornaram grandes
nomes da fenomenologia, com maiores ou menores repercussões nas teorias
psicológicas e psiquiátricas. Não obstante, Martin Heidegger, assistente de
Husserl, foi seu maior crítico, de tal forma que alguns consideram Husserl como
o criador da fenomenologia e Heidegger seu transformador (Moran, 2000). Em
1939, para proteger os escritos de Husserl de possíveis destruições nazistas,
estes foram clandestinamente transportados para a Universidade Católica de
Leuven, na Bélgica, onde foram criados os Husserl-Archives. Muitos destes
manuscritos foram coligidos na Husserliana, uma série de edições publicadas
inicialmente em alemão, com traduções mais recentes para o francês e o inglês.
Ou seja, no Brasil, o último Husserl, o Husserl da Husserliana, base do
pensamento de Merleau-Ponty, até muito recentemente foi pouco conhecido,
tendo-se em vista a inexistência, até o momento, de edições desta obra em
português. Isto explica uma compreensão frequentemente restrita ao primeiro
Husserl, o da fenomenologia transcendental, quando ele mesmo, em seus últimos
escritos, já encaminhara seu pensamento no sentido do mundo vivido (Lebenswelt).
A história da fenomenologia e do
movimento fenomenológico é atravessada pela história de quem a concebeu. Este
início está diretamente ligado ao final do século XIX e a três nomes
especificamente: Franz Brentano, Karl Stumpf e Edmund Husserl. Mas foi a
concepção de fenomenologia deste último que, verdadeiramente, inicia o
movimento fenomenológico e que, a partir da década de 1910 começa a fazer
seguidores em várias partes do mundo.
A origem da vida intelectual de Husserl
foi a matemática, movido pelo seu interesse na Astronomia, e através dela
acreditava encontrar as respostas de que necessitava para as perguntas sobre
sua própria fundamentação. Foi movido por esta preocupação com a fundamentação
da matemática, que Husserl se aproxima da filosofia e assiste durante os anos
de 1884 a 1886, os cursos de Franz Brentano. Foi ente contato com Brentano que
marcou nele uma fase nova e decisiva: “Entusiasmado pela filosofia, resolveu
dedicar-se exclusivamente a ela, no impulso veemente de lhe encontrar uma
fundamentação, capaz de sustentar também todas as outras ciências” (Fragata
1962, p. 12). É a partir da noção de intencionalidade da consciência de
Brentano e também sob a influência das discussões epistemológicas empreendidas
por Wilhelm Dilthey, que Husserl iniciará uma contínua busca por aquilo que
nomeou mais tarde de “Ciência Eidética”. Sua obra, ainda não completamente
publicada até hoje, é reflexo da sua apaixonada busca pela exatidão. Como
informa Joaquim de Carvalho no prefácio à primeira edição em português do
famoso artigo de Husserl A filosofia como
ciência de rigor, originalmente publicado em 1911, a Husserliana é formada
por “pelo menos 30 mil páginas (...) [alguns autores falam em 40 mil] na quase
totalidade escritas em estenografia (GabelsbergerStenographie), com um número
considerável de sinais próprios criados por Husserl”.
De Brtentano, Husserl guardará além da
distinção entre fenômenos psíquicos e fenômenos físicos, o primeiro comportando
uma intencionalidade, como muito bem
resume André Dartigues (1973, p. 17-18), que estes fenômenos podem ser
percebidos e que o modo de percepção original que deles temos constitui o seu conhecimento
fundamental. Desta forma, partindo da experiência, é possível atingir o
concreto, e o mundo da consciência, ate então visto como algo basicamente vago
destituído de qualquer positividade, controle e possibilidade de previsão, sem
qualquer fundamento empírico, no sentido reinante no período, torna-se
acessível através dos atos intencionais da consciência e seus modos de relação
com o mundo.
A primeira
obra que Husserl publicou em 1891 foi a Filosofia da Aritmética, onde ele
analisa o conceito de número, o método usado pela matemática e o caráter lógico
de seus conceitos e de seus princípios.Já nesta obra Husserl assinala a
diferença existente entre o conceito de número e o processo de enumeração,
referentes respectivamente ao seu aspecto lógico e ao seu aspecto psicológico.
A
discussão entre psicologistas e logicistas naquela época, estava voltada para a
divergência quanto ao fundamento teórico que se dava à ciência. De modo geral
se dizia que, tanto a lógica quanto as demais ciências, tinham a sua
fundamentação teórica na psicologia do pensamento; todo objeto do conhecimento
e o próprio pensamento eram reduzidos à fatos e operações psíquicas,
desconhecendo-se, por exemplo, a infraestrutura lógica do pensamento.
Os lógicos
se erguerão contra este psicologismo, e principalmente com Natorp e Cohen, os
papéis serão invertidos. Eles tentarão demonstrar que as ciências e, portantoa
psicologia se funda a partir das leis ideais da lógica, que elas obedecem às
normas do pensamento que são normas ou leis lógicas.Husserl evitará tais
posições, buscando um novo caminho. Ele nos mostrará, desde a sua primeira
obra, que para se definir o número como multiplicidade de unidades, conforme
Euclides o fizera, nós temos que analisar previamente o conceito de
multiplicidade. Este conceito não será fruto da abstração do singular, nos dirá
ele, mas sim de uma operação reflexiva mediante a qual os elementos singulares
são reunidos em uma classe para constituir um todo de relações homogêneas.
Assim o número será definido por Husserl como um conceito de relação produzido
pela reflexão.
Segundo
Biemel já estão contidos aqui os germes dos conceitos principais e mais
importantes para a fenomenologia, através do valor que Husserl dá aos conceitos
de produção da operação reflexiva, onde se aprende aos atos psíquicos doadores
de significação; da busca da essência ou das articulações constantes,
invariáveis; do método de classificação destas essências através da análise que
busca a origem da sua significação na consciência; do método descritivo para se
buscar esta origem.
1.2. Superação do Psicologismo e a noção de objeto
1.2. Superação do Psicologismo e a noção de objeto
Só mais
tardiamente, porém, Husserl irá explicitamente tomar posição frente ao
psicologismo. Vemos isso em sua obra Lógica formal e lógica transcendental,
onde no seu primeiro volume ele ergue as bases ou os prolegômenos para uma
lógica pura, através do ataque ao psicologismo e ao empirismo. No segundo
volume, intitulado Investigações concernentes à fenomenologia e à teoria do conhecimento,
Husserl nos mostra que a lógica se divide em teoria da arte do conhecimento e
teoria da ciência. Compete à teoria da ciência estudar as representações em si,
o universo ideal independente do processo psíquico pelo qual se efetua a
apreensão dos objetos ideais, e que possibilita, assim, a construção da lógica
pura. Esta tratará da significação das categorias fundamentais que fundam as
proposições científicas. Ele concebe, portanto, a lógica pura ou transcendental
como encarregada de analisar os conceitos básicos quanto à sua origem e
significação. Trata-se, então, de uma fenomenologia da vivência lógica e dos
atos pelos quais são constituídos os seus objetos.
Nas
pesquisas lógicas, Husserl estuda assim, os objetos ideais, as categorias e os
atos cognitivos fundamentais: percepção, imaginação, recordação, intuição do
tempo. Trata-se da constituição dos objetos ideais. Daí por diante ele terá que
tratar e explicar como se fará o uso da constituição a outros domínios de
objetos. Por exemplo: como se dará a constituição dos objetos espaciais e
extensos? E ainda mais. Como das unidades constituídas nós podemos remontar ao
fluxo constituinte, isto é, à consciência que precede a toda constituição? Esse
será o objeto das suas obras intituladas A idéia da Fenomenologia e Lições para
uma fenomenologia íntima do tempo.
1.3
Sistematizarão das idéias principais da Fenomenologia
A primeira
tentativa sistemática da exposição dos problemas e do método fenomenológico é
encontrada na Idéias diretrizes para uma fenomenologia e uma filosofia
fenomenológica puras. No .«lume primeiro nós encontramos em destaque o projeto
a que se propõe a fenomenologia e os seus temas principais dentre os quais
destacamos:
1.3.1 A fenomenologia visa
mostrar e descrever com rigor. Segundo a concepção clássica da filosofia
racionalista, a exemplo de Spinoza ou Descartes, o dado era reconstruído a
partir de uma dedução sistemática de alguns princípios básicos, que funcionavam
como axiomas. A fenomenologia irá se colocar em outra perspectiva. Ela terá a
preocupação em mostrar, e não demonstrar, em explicitar as estruturas em que a
experiência se verifica, em deixar transparecer na descrição da experiência as
suas estruturas universais.
O projeto
de Husserl não consiste em erguer uma ciência exata da fenomenologia. As
ciências exatas têm o seu exemplo na matemática que é uma ciência eidética
dedutiva. A fenomenologia será uma ciência rigorosa, mas não exata, uma ciência
eidética que procede por descrição e não por dedução. Ela se ocupa de fenômenos,
mas como uma atitude diferente das ciências exatas e empíricas. Os seus
fenômenos são os vividos da consciência, os atos e os correlatos dessa
consciência.
1.3.2 Intencional idade da
consciência. Uma das ideias principais da fenomenologia é a de que "toda
consciência é consciência de alguma coisa". Este tema era ensinado por
Brentano, cujos cursos foram frequentados por Husserl; entretanto esta
intencionalidade da consciência era compreendida por ele como todo ato de
pensamento através deste ato.
Quer para
Brentano, de tradição escolástica, quer para o idealismo, empirismo ou
realismo, esta separação entre sujeito e objeto, entre consciência que percebe
e objeto que é percebido, era um pressuposto básico, e por isto, o mundo
existente para uma consciência só o era a título de representação.
Para
Husserl, entretanto, a consciência se define essencialmente em termos de
intenção voltada para um objeto. Perceber não é receber sensações na psique.
Não nos é possível separar fenômeno e coisa em si. O fenômeno é conhecido
diretamente, sem intermediários, ele é objeto de uma intuição originariamente
doadora.
Não há
fenômeno que não seja fenômeno para uma consciência de algo, não há consciência
sem que ela seja consciência de algo, sem que ela seja determinada como certa
maneira de visar os objetos, o mundo. Para toda modalidade da consciência
intencional temos uma correspondência ou certa maneira do objeto se apresentar
à consciência. A todo conteúdo visado, a todo objeto (NOEMA), corresponde certa
modalidade da consciência (NOESIS). O objeto é o correlato intencional do pólo
subjetivo (NOESIS e NOEMA são palavras traduzidas do grego, que significam
respectivamente, o ato do conhecimento e o conteúdo relativo ao ato do
conhecimento).
O ser em
si não se esconde atrás das aparências ou do fenômeno, mas a percepção do real
só pode ser apreendida em perspectivas, em perfis. E a finitude irremediável da
percepção. É da essência do percebido não poder ser objeto da exploração
exaustiva, mas sim de desvelar-se progressivamente e de ser apreendido em
perspectiva.
1.3.3 A intuição da essência
e as regiões do ser. A representação não produz o ente, mas sim o ser-objeto de
um ente. O objeto será alvo de descrição por parte da consciência, e nele se
verá que existe núcleo central invariante que permanece ao longo de todas as
variações imaginárias. Husserl chamará Eidos ou essência a essa estrutura
invariante cuja presença permanente define a essência do objeto. As essências
se referem ao sentido do ser do fenômeno.
À
fenomenologia irá, assim, distinguir certo número de regiões (ontologias
regionais), que permitem estudar e classificar os vários tipos de Eidos.
Husserl chamará de ontologia regional ou material aquelas que constituem o
domínio do percebido, do imaginário, da natureza física, da região consciência,
eidos dos objetos materiais, culturais, etc.
Toda
ciência necessita explicitar os seus conceitos fundamentais e isto será tarefa
da ontologia regional. Ela explicitará o que pertence ao objeto desta ciência,
de modo universal e necessário, isto é, explicitará as suas estruturas
essenciais. Ela se distinguira da ontologia formal ou das ciências eidéticas
formais, que constituem o domínio da lógica dedutiva, da lógica das
significações, do pensar em geral. Ela investiga em que condições algo pode
chegar a ser em geral objeto do pensamento, as condições do pensar de objetos
em geral, não importando de qual classe ele seja.
A visão
das essências é uma intuição, isto é, um ato de conhecimento direto, sem
intermediários, que nos põe em presença, num face a face ao objeto "em
pessoa". Ele chamará de intuição doadora a este ver que constitui seus
objetos. Conhecer é ver, colocar-se à distância dos objetos, dirigir-se a eles
(in-tensio), visá-los progressivamente.
Há
diversos tipos de intuição (Husserl, Idées, parágrafo 1, parágrafo 3, do
capítulo 1): perceptiva, do vivido, do outro, das essências.
Os
correlatos desses atos da consciência intuitiva são significações preenchidas,
isto é, referem-se à ordem da presença e não da determinação. Esse
preenchimento pode se fazer de duas maneiras: a) pela imaginação: apreende-se a
coisa em imagens, que preenchem mais ou menos a realidade segundo a sua
vivacidade; b) pela percepção que pode ser sensível ou categorial. Será pela
percepção sensível que se preenche a matéria daquilo que é visado, e pela
categorial se preenche a forma.
A
significação é, portanto, o correlato de uma intenção. O ideal do conhecimento
é o preenchimento total, pleno, de todas as potencialidades significativas. Mas
na verdade, o nosso conhecimento não realiza este ideal. Ele será sempre um
misto de preenchimento e de intenção, aberto a um campo perceptivo ou cultural,
a uma situação, a um horizonte do passado e do futuro.
1.3.4 As reduções da fenomenologia. Pela descrição e variação imaginária Husserl chega à intuição das essências. Não se trata compreender tal teoria no sentido do platonismo. O que ele que quer é mostrar-nos qual é a fonte universal, de toda significação, quais são as estruturas universais da vida intencional. O ato filosófico que inaugura esta possibilidade é a redução. Ela desloca a consciência natural, imediata, colocando-a entre parênteses.
1.3.4 As reduções da fenomenologia. Pela descrição e variação imaginária Husserl chega à intuição das essências. Não se trata compreender tal teoria no sentido do platonismo. O que ele que quer é mostrar-nos qual é a fonte universal, de toda significação, quais são as estruturas universais da vida intencional. O ato filosófico que inaugura esta possibilidade é a redução. Ela desloca a consciência natural, imediata, colocando-a entre parênteses.
Esta
redução se faz em níveis diversos, na medida em que aquilo que é colocado entre
parênteses, em suspensão, pela Epoche, é de maneira diversa. Temos assim a
redução eidética que nos permite distinguir fatos e essências. Eu coloco entre
parênteses o fato, deixando surgir aideia, o sentido. O eidos do fato, a sua
essência, a sua significação, se revela em situação.
Para
compreender a facticidade a consciência necessita dos conceitos, das essências,
que devem, entretanto, trazer-nos todas as suas relações com o vivido. Por isto
não se pode pensar que pela redução eidética eu reduzo o mundo a uma ideia. Ao
contrário, ela deve deixar transparecer o mundo tal qual ele é.
Pela redução transcendental
ou fenômeno lógica o mundo é visto como correlato da consciência. Não se deve
compreender transcendental no sentido kantiano, que faz com que o mundo seja
imanente ao sujeito. Para Husserl, transcendental significa a possibilidade de
entrever o mundo na sua transparência, significa conhecer o sujeito como
situado ao nível da intencionalidade noética e de seus correlatos noemáticos.
Ela se inicia pela colocação
entre parênteses na crença de um mundo em si, de um mundo pré-existente ao meu
nascimento e sobre-vivente após a minha morte.
Esta redução deve incluir também os enunciados científicos que pressupõem a certeza do mundo. Pela redução fenomenológica nós iremos considerar o mundo como correlato de nossa consciência, e tentar explicitar as estruturas dessa correlação noético-noemática.
1.3.5 O ego transcendental. A colocação entre parênteses será não só relativa à tese do mundo como uma realidade em si, mas também relativa ao meu eu empírico, à minha subjetividade ligada às minhas experiências existenciais, ao meu corpo, com tais sentimentos, como tal inteligência, etc.
Esta redução deve incluir também os enunciados científicos que pressupõem a certeza do mundo. Pela redução fenomenológica nós iremos considerar o mundo como correlato de nossa consciência, e tentar explicitar as estruturas dessa correlação noético-noemática.
1.3.5 O ego transcendental. A colocação entre parênteses será não só relativa à tese do mundo como uma realidade em si, mas também relativa ao meu eu empírico, à minha subjetividade ligada às minhas experiências existenciais, ao meu corpo, com tais sentimentos, como tal inteligência, etc.
A suspensão da tese do mundo
e da subjetividade empírica deixa como resíduo um Eu Puro ou Transcendental.
Mas não se deve compreender tal redução um retorno à filosofia idealista da
consciência, que compreendia o mundo como constituído pela consciência. Aqui o
mundo é entrevisto na sua transparência como pelo correlato noemático da
consciência, isto é, como vivência objetiva, como objeto significativo, diante
do qual o sujeito vê suas operações conscientes, a sua intencionalidade
noética, isto é, o elemento real da vivência subjetiva.
A relação entre sujeito e
objeto não é, então, uma relação entre duas realidades externas independentes,
mas sim entre dois pólos correlativos da relação intencional na consciência.
Perceber um objeto é
intencioná-lo e torná-lo significativo. O ego transcendental é visto, portanto,
como o fundamento, a origem, de toda significação. Ele é doador de intenção e
de significação. A tarefa da fenomenologia consistirá, daí por diante, em
explicar esta atividade fundadora e constitutiva do ego transcendental. A
análise intencional nos revela que o objeto é constituído como significante e
compete agora à fenomenologia analisar este processo da sua constituição.
Pela redução constituinte o ego se reconhece como responsável pelo sentido dos fenômenos, como fonte destas significações e, portanto como liberdade.
Pela redução constituinte o ego se reconhece como responsável pelo sentido dos fenômenos, como fonte destas significações e, portanto como liberdade.
A consciência pela sua
intencionalidade me mostra que ela é antes de tudo consciência de algo; ela não
é inicialmente consciência de si, presença de si; a consciência é inicialmente
inconsciência de si.
O Cogito aparece, então, como
inconsciente antes de se tornar consciente, irrefletido, antes de ser reflexão.
Isso significa que a intencional idade em ato é mais ampla do que a
intencionalidade já exercida, e que não há pensamento que abarque todo nosso
pensamento. A reflexão mais radical é consciente de seus próprios limites e de
sua dependência a este irrefletido que é sua condição inicial e constante, é
por isto que muitos afirmam que a finitude da reflexão está inscrita neste
primado do sentido em ato sobre o sentido tematizado da intencionalidade
exercida, é o primado do irrefletido sobre o refletido, do involuntário sobre o
voluntário, do invisível sobre o visível (Ricoeur, P.: Le
volontaireetl’involontaire, Paris, Aubier, 1963; Ponty, M.M.: Le visible et
l’invisible, Paris, Gallimard, 1964).
A consequência de tudo isto é
que o sentido não se limita ao seu sentido tematizado, pois ele é dinâmico,
histórico, e que a consciência é consciente e inconsciente.
A significação do mundo não é obra de um só ego subjetivo, mas de uma pluralidade de egos, visto que é intencionado por vários egos, inaugurando-se, assim, uma relação inter-subjetiva na qual a significação é atribuição de uma comunidade de pessoas e portanto essencialmente histórica. A significação do mundo presente não é desvinculada do mundo passado, e ligar-se-á à do mundo futuro. O próprio conhecimento científico positivo não escapa a esta orientação. Ele é fruto de uma idealização feita pela comunidade dos homens de ciência, a partir de uma experiência inter-subjetiva. Esse mundo de experiência objetiva da ciência nos dirá Husserl, ergue-se sobre o mundo originário da vida previamente dada.
A significação do mundo não é obra de um só ego subjetivo, mas de uma pluralidade de egos, visto que é intencionado por vários egos, inaugurando-se, assim, uma relação inter-subjetiva na qual a significação é atribuição de uma comunidade de pessoas e portanto essencialmente histórica. A significação do mundo presente não é desvinculada do mundo passado, e ligar-se-á à do mundo futuro. O próprio conhecimento científico positivo não escapa a esta orientação. Ele é fruto de uma idealização feita pela comunidade dos homens de ciência, a partir de uma experiência inter-subjetiva. Esse mundo de experiência objetiva da ciência nos dirá Husserl, ergue-se sobre o mundo originário da vida previamente dada.
Mas o que se verifica é que
as ciências positivas perderam o seu sentido para a vida, e nisto, dirá
Husserl, consiste a crise das ciências. As ciências não perdem o seu valor no
que se refere aos fatos que elas analisam; o seu valor é perdido por se terem
afastado dos problemas do sentido da existência humana.
Para ele o mundo objetivo da
ciência é fundado na experiência e no pensamento pré-reflexivo ou
pré-científico, tem o seu fundamento na formação subjetiva e por isto só uma
investigação que remonte à subjetividade pode alcançar o sentido do ser no
mundo, pois ela é fonte tanto para o pensamento pré-reflexivo quanto científico
ou reflexivo.
Chegamos, assim, pouco a
pouco, a recolocar no pensamento contemporâneo a necessidade de uma
antropologia filosófica.
Há uma antropologia definida
pela "Razão" com a faculdade de reconhecer verdades e valores. Esta
função cognitiva da razão está intimamente ligada, desde os gregos, não só à
função da "ideia", mas também à dos Eidos.
O ver é essencial ao conhecer
e é a função a mais reveladora da verdade. Já para a civilização semítica será
o ouvir. Será por um ver e pela ideia (conceito) que se definirá o homem na
civilização grega.
Essa ideia é expressa numa
linguagem. Assim vemos que há uma interpretação do homem como expressão da
linguagem.
No pensamento contemporâneo
há uma série de disciplinas que convergem para caracterizar uma certa concepção
do homem. Temos assim a fenomenologia, a psicopatologia, a etnologia, a
história das culturas. Ô que é fundamental nesta concepção é que há um Eu e uma
História. Um eu criador, que se cria e cria o mundo a seu redor, através do
diálogo e do trabalho. O eu cria a sua personalidade, resultado de uma
história.
O problema que se põe é de
saber como interpretar esta história do homem.
Há várias interpretações
possíveis. Alguns exemplos:
a) Hegeliana: a passagem da consciência de si
se faz segundo certas leis que são estudadas na sua fenomenologia do espírito.
As figuras dominantes são encontradas na dialética do Mestre e do Escravo.
Nessa dialética a explicação marxista introduz a noção importante de Práxis.
b) A Fenomenologia que mostrará, segundo de
Waelhens, que a passagem do anonimato para a consciência de si será o resultado
de uma história na qual são importantes as noções de Práxis e o contexto com o
outro.
c) A Psicanálise nos dirá, na sua descrição da
consciência, que o importante não é a relação sujeito-objeto, mas a íntima
comunhão entre eles, onde se tenta compreender melhor o sentido do
comportamento humano. Para a psicanálise esse comportamento está sempre
escondendo o seu sentido verdadeiro; assim ela se propõe como tarefa discernir
o sentido verdadeiro que se esconde, de um modo geral, atrás da máscara
fenomenal. Esta compreensão implica uma interpretação do comportamento humano.
Aqui fica claro que o sentido verdadeiro não é, à primeira vista, o sentido
manifesto, pois ele está escondido atrás desse sentido manifesto.
Todas estas considerações nos
levam à filosofia que recoloca a questão do ser do homem, e que se desvincula
de uma certa visão do homem definida classicamente como animal racional. Essa
desvinculação acarretará um problema à filosofia tradicional, pois os conceitos
de que ela se servia passam também a serem postos em questões e a serem
reexaminados, a buscarem uma nova reformulação adequada à problemática do
pensamento contemporâneo.
Assim os conceitos de
substância, natureza, eu, pessoa, dimensão ética do homem, absoluto, entram em
discussão, são criticados, deixados de lado ou repensados.
As análises fenomenológicas
irão contribuir para estas novas direções que buscavam um fundamento para as
ciências humanas. Contra todo cientificismo ela tentará explicitar as condições
de inteligibilidade destas ciências, isto é, o próprio homem, que como sujeito
é o instaurador e o fundamento de todas as significações.