terça-feira, 23 de julho de 2013

PRINCIPAIS CONCEITOS DA FENOMENOLOGIA

Ainda que encontremos referências ao termo fenomenologia em pensadores do século XVIII - como Lambert (1728-1777), Kant (1724-1804) e Fichte(1762-1814) - ou mesmo na famosa obra de Hegel “Fenomenologia do Espírito”, no início do século XIX a fenomenologia, tal como hoje a entendemos, foi proposta inicialmente por Edmund Husserl (1859-1938) no fim daquele século como um novo método de fazer filosofia, uma tentativa de trazer a filosofia das especulações metafísicas abstratas para o contatocom os problemas reais, com a experiência vivida e concreta. Inspirada na Psicologia Descritiva de Franz Brentano (1838-1917), que foi professor de Husserl, a fenomenologia foi desenvolvida por sucessores deste, tornando-se uma das grandes correntes filosóficas do século XX.
A fenomenologia (do grego phainesthai, aquilo que se apresenta ou que se mostra, e logos, explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos da consciência. Mais que um método, ela deve ser considerada um movimento de pensadores extraordinários, alguns deles assistentes pessoais de Husserl, como Edith Stein, Martin Heidegger, EugeneFink e outros como Max Scheler e Karl Jaspers, que desenvolveram outras ideias em fenomenologia, em contato direto ou em paralelo ao pensamento de Husserl na Alemanha. Levada para a França por Emmanuel Lévinas, com a tradução para o francês de Meditações Cartesianas (1931), a fenomenologia teve aí um desenvolvimento próprio através do pensamento de Maurice Merleau-Ponty, Jean Paul Sartre, Simone de Bauvoir, PaulRicoeur e Michel Henry, entre outros.
Podemos dizer que todos estes pensadores foram de alguma forma, críticos “internos” da proposta husserliana, ou seja, de uma maneira ou de outra partem dela. Todos eles se tornaram grandes nomes da fenomenologia, com maiores ou menores repercussões nas teorias psicológicas e psiquiátricas. Não obstante, Martin Heidegger, assistente de Husserl, foi seu maior crítico, de tal forma que alguns consideram Husserl como o criador da fenomenologia e Heidegger seu transformador (Moran, 2000). Em 1939, para proteger os escritos de Husserl de possíveis destruições nazistas, estes foram clandestinamente transportados para a Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, onde foram criados os Husserl-Archives. Muitos destes manuscritos foram coligidos na Husserliana, uma série de edições publicadas inicialmente em alemão, com traduções mais recentes para o francês e o inglês. Ou seja, no Brasil, o último Husserl, o Husserl da Husserliana, base do pensamento de Merleau-Ponty, até muito recentemente foi pouco conhecido, tendo-se em vista a inexistência, até o momento, de edições desta obra em português. Isto explica uma compreensão frequentemente restrita ao primeiro Husserl, o da fenomenologia transcendental, quando ele mesmo, em seus últimos escritos, já encaminhara seu pensamento no sentido do mundo vivido (Lebenswelt).
A história da fenomenologia e do movimento fenomenológico é atravessada pela história de quem a concebeu. Este início está diretamente ligado ao final do século XIX e a três nomes especificamente: Franz Brentano, Karl Stumpf e Edmund Husserl. Mas foi a concepção de fenomenologia deste último que, verdadeiramente, inicia o movimento fenomenológico e que, a partir da década de 1910 começa a fazer seguidores em várias partes do mundo.
A origem da vida intelectual de Husserl foi a matemática, movido pelo seu interesse na Astronomia, e através dela acreditava encontrar as respostas de que necessitava para as perguntas sobre sua própria fundamentação. Foi movido por esta preocupação com a fundamentação da matemática, que Husserl se aproxima da filosofia e assiste durante os anos de 1884 a 1886, os cursos de Franz Brentano. Foi ente contato com Brentano que marcou nele uma fase nova e decisiva: “Entusiasmado pela filosofia, resolveu dedicar-se exclusivamente a ela, no impulso veemente de lhe encontrar uma fundamentação, capaz de sustentar também todas as outras ciências” (Fragata 1962, p. 12). É a partir da noção de intencionalidade da consciência de Brentano e também sob a influência das discussões epistemológicas empreendidas por Wilhelm Dilthey, que Husserl iniciará uma contínua busca por aquilo que nomeou mais tarde de “Ciência Eidética”. Sua obra, ainda não completamente publicada até hoje, é reflexo da sua apaixonada busca pela exatidão. Como informa Joaquim de Carvalho no prefácio à primeira edição em português do famoso artigo de Husserl A filosofia como ciência de rigor, originalmente publicado em 1911, a Husserliana é formada por “pelo menos 30 mil páginas (...) [alguns autores falam em 40 mil] na quase totalidade escritas em estenografia (GabelsbergerStenographie), com um número considerável de sinais próprios criados por Husserl”.
De Brtentano, Husserl guardará além da distinção entre fenômenos psíquicos e fenômenos físicos, o primeiro comportando uma intencionalidade, como muito bem resume André Dartigues (1973, p. 17-18), que estes fenômenos podem ser percebidos e que o modo de percepção original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental. Desta forma, partindo da experiência, é possível atingir o concreto, e o mundo da consciência, ate então visto como algo basicamente vago destituído de qualquer positividade, controle e possibilidade de previsão, sem qualquer fundamento empírico, no sentido reinante no período, torna-se acessível através dos atos intencionais da consciência e seus modos de relação com o mundo.

A primeira obra que Husserl publicou em 1891 foi a Filosofia da Aritmética, onde ele analisa o conceito de número, o método usado pela matemática e o caráter lógico de seus conceitos e de seus princípios.Já nesta obra Husserl assinala a diferença existente entre o conceito de número e o processo de enumeração, referentes respectivamente ao seu aspecto lógico e ao seu aspecto psicológico.
A discussão entre psicologistas e logicistas naquela época, estava voltada para a divergência quanto ao fundamento teórico que se dava à ciência. De modo geral se dizia que, tanto a lógica quanto as demais ciências, tinham a sua fundamentação teórica na psicologia do pensamento; todo objeto do conhecimento e o próprio pensamento eram reduzidos à fatos e operações psíquicas, desconhecendo-se, por exemplo, a infraestrutura lógica do pensamento.
Os lógicos se erguerão contra este psicologismo, e principalmente com Natorp e Cohen, os papéis serão invertidos. Eles tentarão demonstrar que as ciências e, portantoa psicologia se funda a partir das leis ideais da lógica, que elas obedecem às normas do pensamento que são normas ou leis lógicas.Husserl evitará tais posições, buscando um novo caminho. Ele nos mostrará, desde a sua primeira obra, que para se definir o número como multiplicidade de unidades, conforme Euclides o fizera, nós temos que analisar previamente o conceito de multiplicidade. Este conceito não será fruto da abstração do singular, nos dirá ele, mas sim de uma operação reflexiva mediante a qual os elementos singulares são reunidos em uma classe para constituir um todo de relações homogêneas. Assim o número será definido por Husserl como um conceito de relação produzido pela reflexão.
Segundo Biemel já estão contidos aqui os germes dos conceitos principais e mais importantes para a fenomenologia, através do valor que Husserl dá aos conceitos de produção da operação reflexiva, onde se aprende aos atos psíquicos doadores de significação; da busca da essência ou das articulações constantes, invariáveis; do método de classificação destas essências através da análise que busca a origem da sua significação na consciência; do método descritivo para se buscar esta origem.

1.2. Superação do Psicologismo e a noção de objeto
Só mais tardiamente, porém, Husserl irá explicitamente tomar posição frente ao psicologismo. Vemos isso em sua obra Lógica formal e lógica transcendental, onde no seu primeiro volume ele ergue as bases ou os prolegômenos para uma lógica pura, através do ataque ao psicologismo e ao empirismo. No segundo volume, intitulado Investigações concernentes à fenomenologia e à teoria do conhecimento, Husserl nos mostra que a lógica se divide em teoria da arte do conhecimento e teoria da ciência. Compete à teoria da ciência estudar as representações em si, o universo ideal independente do processo psíquico pelo qual se efetua a apreensão dos objetos ideais, e que possibilita, assim, a construção da lógica pura. Esta tratará da significação das categorias fundamentais que fundam as proposições científicas. Ele concebe, portanto, a lógica pura ou transcendental como encarregada de analisar os conceitos básicos quanto à sua origem e significação. Trata-se, então, de uma fenomenologia da vivência lógica e dos atos pelos quais são constituídos os seus objetos.
Nas pesquisas lógicas, Husserl estuda assim, os objetos ideais, as categorias e os atos cognitivos fundamentais: percepção, imaginação, recordação, intuição do tempo. Trata-se da constituição dos objetos ideais. Daí por diante ele terá que tratar e explicar como se fará o uso da constituição a outros domínios de objetos. Por exemplo: como se dará a constituição dos objetos espaciais e extensos? E ainda mais. Como das unidades constituídas nós podemos remontar ao fluxo constituinte, isto é, à consciência que precede a toda constituição? Esse será o objeto das suas obras intituladas A idéia da Fenomenologia e Lições para uma fenomenologia íntima do tempo.

1.3 Sistematizarão das idéias principais da Fenomenologia
A primeira tentativa sistemática da exposição dos problemas e do método fenomenológico é encontrada na Idéias diretrizes para uma fenomenologia e uma filosofia fenomenológica puras. No .«lume primeiro nós encontramos em destaque o projeto a que se propõe a fenomenologia e os seus temas principais dentre os quais destacamos:
1.3.1 A fenomenologia visa mostrar e descrever com rigor. Segundo a concepção clássica da filosofia racionalista, a exemplo de Spinoza ou Descartes, o dado era reconstruído a partir de uma dedução sistemática de alguns princípios básicos, que funcionavam como axiomas. A fenomenologia irá se colocar em outra perspectiva. Ela terá a preocupação em mostrar, e não demonstrar, em explicitar as estruturas em que a experiência se verifica, em deixar transparecer na descrição da experiência as suas estruturas universais.
O projeto de Husserl não consiste em erguer uma ciência exata da fenomenologia. As ciências exatas têm o seu exemplo na matemática que é uma ciência eidética dedutiva. A fenomenologia será uma ciência rigorosa, mas não exata, uma ciência eidética que procede por descrição e não por dedução. Ela se ocupa de fenômenos, mas como uma atitude diferente das ciências exatas e empíricas. Os seus fenômenos são os vividos da consciência, os atos e os correlatos dessa consciência.

1.3.2 Intencional idade da consciência. Uma das ideias principais da fenomenologia é a de que "toda consciência é consciência de alguma coisa". Este tema era ensinado por Brentano, cujos cursos foram frequentados por Husserl; entretanto esta intencionalidade da consciência era compreendida por ele como todo ato de pensamento através deste ato.
Quer para Brentano, de tradição escolástica, quer para o idealismo, empirismo ou realismo, esta separação entre sujeito e objeto, entre consciência que percebe e objeto que é percebido, era um pressuposto básico, e por isto, o mundo existente para uma consciência só o era a título de representação.
Para Husserl, entretanto, a consciência se define essencialmente em termos de intenção voltada para um objeto. Perceber não é receber sensações na psique. Não nos é possível separar fenômeno e coisa em si. O fenômeno é conhecido diretamente, sem intermediários, ele é objeto de uma intuição originariamente doadora.
Não há fenômeno que não seja fenômeno para uma consciência de algo, não há consciência sem que ela seja consciência de algo, sem que ela seja determinada como certa maneira de visar os objetos, o mundo. Para toda modalidade da consciência intencional temos uma correspondência ou certa maneira do objeto se apresentar à consciência. A todo conteúdo visado, a todo objeto (NOEMA), corresponde certa modalidade da consciência (NOESIS). O objeto é o correlato intencional do pólo subjetivo (NOESIS e NOEMA são palavras traduzidas do grego, que significam respectivamente, o ato do conhecimento e o conteúdo relativo ao ato do conhecimento).
O ser em si não se esconde atrás das aparências ou do fenômeno, mas a percepção do real só pode ser apreendida em perspectivas, em perfis. E a finitude irremediável da percepção. É da essência do percebido não poder ser objeto da exploração exaustiva, mas sim de desvelar-se progressivamente e de ser apreendido em perspectiva.

1.3.3 A intuição da essência e as regiões do ser. A representação não produz o ente, mas sim o ser-objeto de um ente. O objeto será alvo de descrição por parte da consciência, e nele se verá que existe núcleo central invariante que permanece ao longo de todas as variações imaginárias. Husserl chamará Eidos ou essência a essa estrutura invariante cuja presença permanente define a essência do objeto. As essências se referem ao sentido do ser do fenômeno.
À fenomenologia irá, assim, distinguir certo número de regiões (ontologias regionais), que permitem estudar e classificar os vários tipos de Eidos. Husserl chamará de ontologia regional ou material aquelas que constituem o domínio do percebido, do imaginário, da natureza física, da região consciência, eidos dos objetos materiais, culturais, etc.
Toda ciência necessita explicitar os seus conceitos fundamentais e isto será tarefa da ontologia regional. Ela explicitará o que pertence ao objeto desta ciência, de modo universal e necessário, isto é, explicitará as suas estruturas essenciais. Ela se distinguira da ontologia formal ou das ciências eidéticas formais, que constituem o domínio da lógica dedutiva, da lógica das significações, do pensar em geral. Ela investiga em que condições algo pode chegar a ser em geral objeto do pensamento, as condições do pensar de objetos em geral, não importando de qual classe ele seja.
A visão das essências é uma intuição, isto é, um ato de conhecimento direto, sem intermediários, que nos põe em presença, num face a face ao objeto "em pessoa". Ele chamará de intuição doadora a este ver que constitui seus objetos. Conhecer é ver, colocar-se à distância dos objetos, dirigir-se a eles (in-tensio), visá-los progressivamente.
Há diversos tipos de intuição (Husserl, Idées, parágrafo 1, parágrafo 3, do capítulo 1): perceptiva, do vivido, do outro, das essências.
Os correlatos desses atos da consciência intuitiva são significações preenchidas, isto é, referem-se à ordem da presença e não da determinação. Esse preenchimento pode se fazer de duas maneiras: a) pela imaginação: apreende-se a coisa em imagens, que preenchem mais ou menos a realidade segundo a sua vivacidade; b) pela percepção que pode ser sensível ou categorial. Será pela percepção sensível que se preenche a matéria daquilo que é visado, e pela categorial se preenche a forma.
A significação é, portanto, o correlato de uma intenção. O ideal do conhecimento é o preenchimento total, pleno, de todas as potencialidades significativas. Mas na verdade, o nosso conhecimento não realiza este ideal. Ele será sempre um misto de preenchimento e de intenção, aberto a um campo perceptivo ou cultural, a uma situação, a um horizonte do passado e do futuro.

1.3.4 As reduções da fenomenologia. Pela descrição e variação imaginária Husserl chega à intuição das essências. Não se trata compreender tal teoria no sentido do platonismo. O que ele que quer é mostrar-nos qual é a fonte universal, de toda significação, quais são as estruturas universais da vida intencional. O ato filosófico que inaugura esta possibilidade é a redução. Ela desloca a consciência natural, imediata, colocando-a entre parênteses.
Esta redução se faz em níveis diversos, na medida em que aquilo que é colocado entre parênteses, em suspensão, pela Epoche, é de maneira diversa. Temos assim a redução eidética que nos permite distinguir fatos e essências. Eu coloco entre parênteses o fato, deixando surgir aideia, o sentido. O eidos do fato, a sua essência, a sua significação, se revela em situação.
Para compreender a facticidade a consciência necessita dos conceitos, das essências, que devem, entretanto, trazer-nos todas as suas relações com o vivido. Por isto não se pode pensar que pela redução eidética eu reduzo o mundo a uma ideia. Ao contrário, ela deve deixar transparecer o mundo tal qual ele é.
Pela redução transcendental ou fenômeno lógica o mundo é visto como correlato da consciência. Não se deve compreender transcendental no sentido kantiano, que faz com que o mundo seja imanente ao sujeito. Para Husserl, transcendental significa a possibilidade de entrever o mundo na sua transparência, significa conhecer o sujeito como situado ao nível da intencionalidade noética e de seus correlatos noemáticos.
Ela se inicia pela colocação entre parênteses na crença de um mundo em si, de um mundo pré-existente ao meu nascimento e sobre-vivente após a minha morte.

Esta redução deve incluir também os enunciados científicos que pressupõem a certeza do mundo. Pela redução fenomenológica nós iremos considerar o mundo como correlato de nossa consciência, e tentar explicitar as estruturas dessa correlação noético-noemática.

1.3.5 O ego transcendental. A colocação entre parênteses será não só relativa à tese do mundo como uma realidade em si, mas também relativa ao meu eu empírico, à minha subjetividade ligada às minhas experiências existenciais, ao meu corpo, com tais sentimentos, como tal inteligência, etc.
A suspensão da tese do mundo e da subjetividade empírica deixa como resíduo um Eu Puro ou Transcendental. Mas não se deve compreender tal redução um retorno à filosofia idealista da consciência, que compreendia o mundo como constituído pela consciência. Aqui o mundo é entrevisto na sua transparência como pelo correlato noemático da consciência, isto é, como vivência objetiva, como objeto significativo, diante do qual o sujeito vê suas operações conscientes, a sua intencionalidade noética, isto é, o elemento real da vivência subjetiva.
A relação entre sujeito e objeto não é, então, uma relação entre duas realidades externas independentes, mas sim entre dois pólos correlativos da relação intencional na consciência.
Perceber um objeto é intencioná-lo e torná-lo significativo. O ego transcendental é visto, portanto, como o fundamento, a origem, de toda significação. Ele é doador de intenção e de significação. A tarefa da fenomenologia consistirá, daí por diante, em explicar esta atividade fundadora e constitutiva do ego transcendental. A análise intencional nos revela que o objeto é constituído como significante e compete agora à fenomenologia analisar este processo da sua constituição.

Pela redução constituinte o ego se reconhece como responsável pelo sentido dos fenômenos, como fonte destas significações e, portanto como liberdade.
A consciência pela sua intencionalidade me mostra que ela é antes de tudo consciência de algo; ela não é inicialmente consciência de si, presença de si; a consciência é inicialmente inconsciência de si.
O Cogito aparece, então, como inconsciente antes de se tornar consciente, irrefletido, antes de ser reflexão. Isso significa que a intencional idade em ato é mais ampla do que a intencionalidade já exercida, e que não há pensamento que abarque todo nosso pensamento. A reflexão mais radical é consciente de seus próprios limites e de sua dependência a este irrefletido que é sua condição inicial e constante, é por isto que muitos afirmam que a finitude da reflexão está inscrita neste primado do sentido em ato sobre o sentido tematizado da intencionalidade exercida, é o primado do irrefletido sobre o refletido, do involuntário sobre o voluntário, do invisível sobre o visível (Ricoeur, P.: Le volontaireetl’involontaire, Paris, Aubier, 1963; Ponty, M.M.: Le visible et l’invisible, Paris, Gallimard, 1964).
A consequência de tudo isto é que o sentido não se limita ao seu sentido tematizado, pois ele é dinâmico, histórico, e que a consciência é consciente e inconsciente.

A significação do mundo não é obra de um só ego subjetivo, mas de uma pluralidade de egos, visto que é intencionado por vários egos, inaugurando-se, assim, uma relação inter-subjetiva na qual a significação é atribuição de uma comunidade de pessoas e portanto essencialmente histórica. A significação do mundo presente não é desvinculada do mundo passado, e ligar-se-á à do mundo futuro. O próprio conhecimento científico positivo não escapa a esta orientação. Ele é fruto de uma idealização feita pela comunidade dos homens de ciência, a partir de uma experiência inter-subjetiva. Esse mundo de experiência objetiva da ciência nos dirá Husserl, ergue-se sobre o mundo originário da vida previamente dada.
Mas o que se verifica é que as ciências positivas perderam o seu sentido para a vida, e nisto, dirá Husserl, consiste a crise das ciências. As ciências não perdem o seu valor no que se refere aos fatos que elas analisam; o seu valor é perdido por se terem afastado dos problemas do sentido da existência humana.
Para ele o mundo objetivo da ciência é fundado na experiência e no pensamento pré-reflexivo ou pré-científico, tem o seu fundamento na formação subjetiva e por isto só uma investigação que remonte à subjetividade pode alcançar o sentido do ser no mundo, pois ela é fonte tanto para o pensamento pré-reflexivo quanto científico ou reflexivo.
Chegamos, assim, pouco a pouco, a recolocar no pensamento contemporâneo a necessidade de uma antropologia filosófica.
Há uma antropologia definida pela "Razão" com a faculdade de reconhecer verdades e valores. Esta função cognitiva da razão está intimamente ligada, desde os gregos, não só à função da "ideia", mas também à dos Eidos.
O ver é essencial ao conhecer e é a função a mais reveladora da verdade. Já para a civilização semítica será o ouvir. Será por um ver e pela ideia (conceito) que se definirá o homem na civilização grega.
Essa ideia é expressa numa linguagem. Assim vemos que há uma interpretação do homem como expressão da linguagem.
No pensamento contemporâneo há uma série de disciplinas que convergem para caracterizar uma certa concepção do homem. Temos assim a fenomenologia, a psicopatologia, a etnologia, a história das culturas. Ô que é fundamental nesta concepção é que há um Eu e uma História. Um eu criador, que se cria e cria o mundo a seu redor, através do diálogo e do trabalho. O eu cria a sua personalidade, resultado de uma história.
O problema que se põe é de saber como interpretar esta história do homem.
Há várias interpretações possíveis. Alguns exemplos:
a) Hegeliana: a passagem da consciência de si se faz segundo certas leis que são estudadas na sua fenomenologia do espírito. As figuras dominantes são encontradas na dialética do Mestre e do Escravo. Nessa dialética a explicação marxista introduz a noção importante de Práxis.
b) A Fenomenologia que mostrará, segundo de Waelhens, que a passagem do anonimato para a consciência de si será o resultado de uma história na qual são importantes as noções de Práxis e o contexto com o outro.
c) A Psicanálise nos dirá, na sua descrição da consciência, que o importante não é a relação sujeito-objeto, mas a íntima comunhão entre eles, onde se tenta compreender melhor o sentido do comportamento humano. Para a psicanálise esse comportamento está sempre escondendo o seu sentido verdadeiro; assim ela se propõe como tarefa discernir o sentido verdadeiro que se esconde, de um modo geral, atrás da máscara fenomenal. Esta compreensão implica uma interpretação do comportamento humano. Aqui fica claro que o sentido verdadeiro não é, à primeira vista, o sentido manifesto, pois ele está escondido atrás desse sentido manifesto.
Todas estas considerações nos levam à filosofia que recoloca a questão do ser do homem, e que se desvincula de uma certa visão do homem definida classicamente como animal racional. Essa desvinculação acarretará um problema à filosofia tradicional, pois os conceitos de que ela se servia passam também a serem postos em questões e a serem reexaminados, a buscarem uma nova reformulação adequada à problemática do pensamento contemporâneo.
Assim os conceitos de substância, natureza, eu, pessoa, dimensão ética do homem, absoluto, entram em discussão, são criticados, deixados de lado ou repensados.

As análises fenomenológicas irão contribuir para estas novas direções que buscavam um fundamento para as ciências humanas. Contra todo cientificismo ela tentará explicitar as condições de inteligibilidade destas ciências, isto é, o próprio homem, que como sujeito é o instaurador e o fundamento de todas as significações.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Apresentação.


Somos um grupo de estudantes de psicologia da Universidade Católica de Brasília que pretende por meio de encontros semanais o estudo, debate e aprofundamento nas questões da psicologia humanista que inclui os pressupostos epistemológicos, teóricos e práticos da abordagem, além da correlação destes com a arte.
O blog, se concretiza assim, como uma expansão sobre os questionamentos que o grupo realiza, sendo pontuado neste as reflexões de cada tema mediado.

Sejam bem vindos {para leitura; comentários & participação no nosso grupo}